
Médicos e enfermeiros se concentraram diante do Ministério da Saúde para denunciar inviabilização do Hospital Garrachan, maior centro de Saúde Pública especializado em pediatria
“Saúde em luta”, “Eu amo o que faço, mas não vivo do que ganho” conclamavam cartazes erguidos pelos médicos residentes do Hospital Garrahan, o maior centro de saúde pediátrica da Argentina, enquanto marchavam pelo centro de Buenos Aires, na quinta-feira (29), denunciando a péssima situação dos profissionais.
Os médicos residentes, acompanhados por vários setores de serviço do centro de saúde, realizaram uma paralisação e uma eata em direção ao Ministério da Saúde para exigir o aumento salarial e melhores condições de trabalho com urgência. À tarde, funcionários do ministério se reuniram com os médicos do hospital infantil, mas não fizeram nenhuma proposta de aumento salarial. Em resposta, uma nova reunião de moradores e profissionais do Garrahan foi convocada para a próxima terça-feira, 3 de junho.
O Hospital Garrahan, um hospital público, realiza aproximadamente 600.000 consultas e quase 10.000 cirurgias por ano, incluindo cerca de 100 transplantes em crianças e adolescentes, metade dos realizados em todo o país. Fundado em 1987, tornou-se um centro médico de alta complexidade reconhecido em toda a América Latina, para onde são encaminhadas crianças que sofrem de doenças graves ou raras. Seus médicos, técnicos e funcionários denunciam que o local está atualmente à beira da ruína devido à falta de recursos, com “uma situação salarial crítica e insustentável”, agravada pelos cortes generalizados de Milei em todos os setores do orçamento público do país.
“PERDA DE PODER AQUISITIVO FOI BRUTAL: ENTRE 40 E 60%”
“A perda de poder aquisitivo foi brutal; estimamos uma queda entre 40 e 60% no último ano”, disse ao jornal Página/12 um médico do hospital que pediu para permanecer anônimo.
“Trabalhamos de segunda a sábado, das 8h às 16h, e temos dois turnos de 24 horas por semana. Somos os primeiros médicos a atender os pacientes que chegam ao hospital. E o que recebemos não é suficiente”, explica Casandra, uma médica de 28 anos formada pela Universidade de Buenos Aires. Ela mostra o holerite: “Ganho 797.000 pesos por mês [cerca de R$ 3.800]. De dezembro de 2023 até hoje, perdemos 53% do nosso salário.”
“Ser mal pago é uma fonte de insatisfação, tanto que temos que recorrer a vários empregos. Até dois ou três anos atrás, não estou dizendo que estávamos bem financeiramente, mas não precisávamos ter vários empregos, e hoje precisamos, o que significa que a maioria dos profissionais tem um segundo ou terceiro emprego”, explicou ao jornal Página/12 uma pediatra da equipe permanente do hospital.
“Estamos todos muito exaustos, tanto física quanto emocionalmente, e isso afeta a qualidade do atendimento de uma forma ou de outra. Mesmo que você faça com a melhor das vontades, se estiver trabalhando mais horas de plantão porque não consegue pagar as contas, ou se estiver fazendo mais módulos de enfermagem, ou se tiver um emprego fora, o cansaço é um fator chave. Essa luta que enfrentamos há algum tempo também é exaustiva. É muito frustrante se ver na situação de ter que, por exemplo, sair e bloquear uma rua”, frisou.
MAIORIA DOS RESIDENTES DEPENDE DE OUTROS EMPREGOS
Segundo estatísticas oficiais de Buenos Aires, a cesta básica familiar que previne a pobreza requer bem mais do que os médicos do Hospital Garrahan ganham, levando a maioria dos residentes a depender da ajuda de familiares ou de outros empregos nas poucas horas livres que o hospital lhes deixa.
Os manifestantes atravessaram o centro da capital argentina para chegar ao Ministério da Saúde. Ao longo do caminho, grupos que representam outros hospitais públicos que am por situações semelhantes foram se somando. Eles também receberam apoio de vizinhos que aplaudiram ou jogaram confetes de suas varandas, e de motoristas de carros e motos que os saudavam com suas buzinas.
Junto com os médicos e funcionários do hospital, parlamentares e líderes políticos de várias tendências, do centro à esquerda, marcharam em vários trechos da manifestação. Além de muitos familiares de pacientes. “O mínimo que posso fazer é acompanhar os médicos”, diz Lola, mãe de uma menina de 10 anos com síndrome de West, uma doença rara que causa crises epilépticas. “Se tirarem de nós o hospital e seus médicos, quem vai cuidar da minha filha? Não tenho condições de pagar tudo o que estão nos dando”, afirmou.
Na central Avenida 9 de Julio, em frente ao Ministério da Saúde, as colunas vindas do Garrahan se encontraram com manifestantes mobilizados para exigir a aprovação de uma lei de emergência sobre pessoas com deficiência, protesto que foi realizado nesta quinta-feira em várias cidades da Argentina liderado por organizações, famílias e pessoas com esse problema. Entre outras questões, eles denunciaram a retirada de aposentadorias, a falta de cobertura de serviços e medicamentos e as dívidas acumuladas pelo Estado com profissionais que atendem pessoas com deficiência.