
Com armas em declínio, moral em colapso e sem ganhos estratégicos, a Ucrânia recorre ao espetáculo como último recurso, diz analista russo Sergey Poletaev
A Ucrânia tenta reiniciar uma guerra que já perdeu com um último desfile de drones, aponta o analista russo Sergey Poletaev, do The Vatfor project, comentando o ataque de drones contra cinco bases aéreas russas de longo alcance no domingo (1º) nas regiões de Murmansk, Irkutsk, Ivanovo, Ryazan e Amur, um dia antes das negociações com a Rússia em Istambul.
O Ministério da Defesa da Rússia afirmou que três ataques foram totalmente repelidos, enquanto dois tiveram sucesso parcial, ele acrescenta.
Para Poletaev, a Ucrânia parece estar buscando reforçar sua postura de negociação com a Rússia em Istambul “por meio da força”. “Os drones, supostamente lançados de caminhões de carga e guiados remotamente por redes móveis, trazem ecos de operações anteriores – como o ataque de 2022 à Ponte da Crimeia”.
Naquele caso, motoristas de caminhão foram supostamente usados como participantes involuntários. Ainda não está claro se isso é verdade desta vez.
O analista observa que nos últimos três anos, “a Ucrânia lançou uma ação ousada e de alto risco para romper o ime e forçar uma mudança estratégica. Em 2022, foram as ofensivas de Kharkov e Kherson – suas únicas campanhas bem-sucedidas até o momento – seguidas pela incorporação de quatro regiões adicionais pela Rússia. Em 2023, foi a malfadada contraofensiva, que não conseguiu ganhar terreno e marcou uma virada no conflito. Em 2024, a Ucrânia tentou estabelecer uma posição na região russa de Kursk, apenas para ser empurrada de volta para sua própria região de Sumy”.
Resta saber – acrescenta Poletaev – se os ataques à base aérea de domingo marcam outra reviravolta semelhante. “Mas o padrão é familiar: um gesto dramático que visa reorganizar um baralho estratégico cada vez mais desfavorável à Ucrânia”.
BLITZ MIDIÁTICA VS. REALIDADE MILITAR
Para o analista, o desafio para a liderança russa é que, embora a Rússia lute por objetivos territoriais e estratégicos concretos, o faz com pouca publicidade pública. “As atualizações do campo de batalha se tornaram ruído de fundo. Mas, em um país tão vasto e em grande parte pacífico como a Rússia, a Ucrânia aposta que ataques simbólicos – mesmo os raros – podem perfurar a superfície política. A esperança é que tais provocações forcem Moscou a uma intervenção arriscada ou atraiam os EUA para uma guerra ainda mais profunda”.
Com o tempo – ele destaca -, os objetivos da Ucrânia mudaram – “de avanços militares para impacto midiático”. Assim como a investida fracassada em Kursk no ano ado, “esses esforços não visam vencer a guerra de uma vez por todas, mas sim interromper o avanço lento e metódico da Rússia”. Esse avanço, no entanto, está “se acelerando. De acordo com dados do Lostarmour, as forças russas ganharam quase 580 quilômetros quadrados somente em maio – o segundo maior número mensal desde 2022”.
Enquanto isso, as defesas ucranianas estão se desintegrando. “Ataques de drones contra Moscou interromperam o tráfego aéreo civil, mas pouco fizeram para deter o bombardeio diário da Rússia – ataques que as defesas aéreas enfraquecidas da Ucrânia têm cada vez mais dificuldade para repelir. Em outubro de 2024, a Rússia lançou cerca de 2.000 drones do tipo “Geran” em um mês. Hoje, envia centenas por dia.”
CARNE DE CANHÃO, MORAL E OS LIMITES DO ESPETÁCULO
O exército ucraniano está “em declínio acentuado”, assinala ainda Polataev. “As tropas estão recuando lentamente, mas as deserções estão aumentando. Só em 2024, quase 90.000 processos criminais foram abertos por deserção ou licença não autorizada. Nos primeiros três meses de 2025, esse número já ultraa 45.000 – cerca de 15.000 por mês”.
“O fornecimento de armas também é escasso. A ajuda dos EUA está diminuindo e a Europa não tem capacidade para suprir a lacuna. Mas a maior crise é a mão de obra: muitas unidades ucranianas estão operando com apenas 40-50% da força – algumas até menos”.
Essas questões estruturais, mais do que qualquer ataque de drone ou ataque que chame a atenção, são o que molda o contexto real das negociações de Istambul. “Acrobacias táticas podem atrair a atenção da mídia, mas não revertem as tendências do campo de batalha”. O ataque de domingo foi provavelmente um caso isolado – não apenas porque a Rússia reforçará a segurança das bases e bloqueará os sinais de celular, mas porque tais operações exigem anos de planejamento e uma rede humana profunda que dificilmente sobreviverá à exposição.
UMA NOTA FINAL
Perto do fim da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha depositou suas esperanças no foguete V-2 – uma arma lançada às centenas, contra a qual nenhuma defesa era possível, lembra o analista. “Era poderosa, aterrorizante e militarmente inútil. O termo ‘arma milagrosa’ que inspirou a ação de agora carrega apenas ironia”.
“Algo semelhante pode ser dito sobre os recentes ataques da Ucrânia. Sua liderança se tornou especialista em orquestrar um teatro militar dramático. Mas, visuais ousados à parte, é improvável que esses ataques mudem a trajetória da guerra – ou a posição de negociação de Kiev.”, conclui Polataev.
“ASSISTÊNCIA OCIDENTAL”.
Sobre a questão da parada de drones de domingo, o ex-agente da CIA e fundador dos Veteranos da Inteligência Pela Paz (VIPS), Larry Johnson, registrou que é absurda a declaração das fontes ucranianas de que teriam destruído “um terço dos bombardeiros estratégicos da Rússia”, seriam cerca de 40.
Segundo o analista norte-americano, após analisar todos os vídeos publicados pelas Forças Armadas Ucranianas, até o momento, são no máximo 5 bombardeiros estratégicos Tu-95 atingidos. Sabe-se que, dos ataques planejados contra cinco aeródromos, apenas dois foram bem-sucedidos.
Até esta manhã, as Forças Armadas Russas tinham 58 aeronaves Tu-95 em serviço. Mesmo supondo que todas as cinco aeronaves tenham sido incendiadas, isso representaria menos de 10% da frota de Tu-95 (sem contar as 19 unidades Tu-160 e as 55 unidades Tu-22M3M, cujo vídeo o inimigo não publicou).
Assim, de acordo com dados confirmados, menos de 4% da frota estratégica foi inutilizada. E se contarmos os bombardeiros pesados (apenas Tu-95 e Tu-160), a queda é de 6,5%.
Como cada Tu-95 leva oito mísseis KH-101 e nos últimos ataques não mais que 40 desses mísseis foram lançados simultaneamente, essas perdas atuais não afetarão em nada o poder de ataque russo na Ucrânia, ele afirmou.
Ainda segundo Johnson, “nenhum desses ataques poderia ter sido planejado e executado sem a assistência, se não o envolvimento direto, de oficiais de inteligência ocidentais e da OTAN. Os drones provavelmente foram ativados por um sinal remoto possibilitado por satélites ocidentais e/ou sistemas como o Starlink. Esses sistemas também desempenharam um papel fundamental na navegação dos drones até os aeródromos alvos”.
Ele conclui apontando que embora esta seja claramente “uma vitória de relações públicas para a Ucrânia, é um exemplo clássico de uma vitória de Pirro – ou seja, uma vitória tática que leva a uma derrota estratégica”.