
No último domingo (1°), centenas de organizações e movimentos sociais e ambientais realizaram manifestações em diversas cidades do país em protesto contra o Projeto de Lei 2159/2021, que ficou conhecido como PL da Devastação. Além disso, os atos saíram em defesa da Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. Em São Paulo, o ato realizado na Avenida Paulista foi apoiado por 80 dessas organizações.
Em Manaus, manifestantes reunidos na praça da Matriz defenderam que o projeto de lei fragiliza a proteção da Amazônia.
No Rio de Janeiro, manifestantes se concentraram na praia Vermelha, na zona sul. Além de cartazes e faixas em apoio a Marina Silva, o ato lembrou o plano de instalação de uma tirolesa no Pão de Açúcar. O projeto da concessionária que istra o ponto turístico, autorizado pelo Iphan, foi alvo de ação civil pública da Procuradoria e está em discussão no SSuperior Tribunal de Justiça (STJ).
Em Brasília, o encontro foi no Eixão, via que fica fechada para carros aos domingos. No ato, havia pedidos para o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), arquivar a proposta. Também havia cartazes de protesto aos planos de exploração da Petrobras na Foz do Amazonas. Outro cartaz na capital federal dizia “somos todas Marina”.
Em Belo Horizonte, alguns manifestantes usavam máscaras com o rosto de Marina, que foi aplaudida durante o ato. Na capital mineira, o ato teve início na praça Liberdade e os participantes percorreram ruas da região, com bandeiras, cartazes e faixas –uma delas dizia “licenciamento ambiental não é burocracia”.
Em Curitiba, a concentração ocorreu nas Ruínas de São Francisco, ao lado da tradicional feira do largo da Ordem, com faixas e cartazes contra o projeto de lei. No Paraná, uma lei estadual que flexibiliza o licenciamento ambiental já foi aprovada pela Assembleia Legislativa, a pedido do governador Ratinho Junior (PSD). O PT pede a derrubada da legislação no Supremo Tribunal Federal (STF).
Em Florianópolis, a manifestação aconteceu na ponte Hercílio Luz. “Espero que os atos contra o PL da devastação ganhem cada vez mais força. Porque é a força das ruas que vai tensionar e constranger os senadores. E, obviamente, se chegar ao extremo do PL ser aprovado, [a força das ruas] dará força, resistência e respaldo para que o presidente Lula possa vetar esta proposta”, discursou a vereadora Carla Ayres (PT) ao grupo de manifestantes.
Em Porto Alegre, movimentos sociais, entidades ligadas ao meio ambiente e políticos engrossaram a manifestação, realizada no Parque da Redenção. Houve referências à enchente histórica que atingiu a capital do Rio Grande do Sul, há cerca de um ano. Nos discursos, o PL foi considerado uma agressão às vítimas daquela tragédia.
DEFESA DE MARINA
Na avenida Paulista, em São Paulo, a eata começou por volta das 14h e abraçou também a defesa de Marina. Na última semana, a ministra foi alvo de ataques no Senado.
Por conta disso, Marina se retirou de uma sessão da Comissão de Infraestrutura na última terça (27), em meio a bate-boca com senadores, e após ouvir do líder do PSDB, senador Plínio Valério (AM), que ela não merecia respeito. Valério já havia dito, em outra sessão, que tinha desejado enforcá-la.
Os manifestantes também criticam a reação do governo Lula (PT) à situação de Marina. “Cadê o presidente defendendo em rede nacional o trabalho da própria ministra?”, questionou o motorista Vicente de Paula.
O embate entre Valério e Marina aconteceu pouco tempo após o Senado aprovar o projeto que flexibiliza o licenciamento ambiental, o que ocorreu no dia 21, com impulso do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e com apoio de parte do governo.
“É inacreditável que uma autoridade seja tratada com tanto desrespeito”, disse a socióloga Claudia Paes, que participava do ato na Paulista. “Mas a gente sabe o que é ser mulher neste país.”
PL DAS BOIADAS
O projeto de lei estabelece um novo marco legal para o licenciamento ambiental no Brasil e foi aprovado no Senado com 54 votos favoráveis e 13 contrários. Como o texto foi alterado pelos senadores, o projeto retorna à Câmara dos Deputados para nova análise.
O texto aprovado no Senado dispensa de licenciamento ambiental atividades que não ofereçam risco ambiental ou que precisem ser executadas por questão de soberania nacional ou de calamidade pública.
Também isenta de licenciamento os empreendimentos agropecuários para cultivo de espécies de interesse agrícola, além de pecuária extensiva, semi-intensiva e intensiva de pequeno porte.
Para ambientalistas, esse projeto é considerado o maior retrocesso ambiental da história recente do país. O projeto também é criticado pelo governo federal, que o considera um desmonte do licenciamento ambiental brasileiro.
“O governo tem uma série de dificuldades em relação a uma base segura de sustentação. E isso varia para cada tema. Não é a primeira vez que a gente sofre alguma dessas derrotas, inclusive em agendas que são igualmente estratégicas, mas vamos continuar dialogando o tempo todo com o Congresso”, disse a ministra Marina Silva.
Apesar das críticas, a relatora do projeto, a senadora Tereza Cristina (PP-MS), disse que o objetivo da proposta é licenciar as obras no país com mais clareza, eficiência e justiça. Segundo ela, o marco regulatório atual, com regras sobrepostas, trava iniciativas importantes e desestimula investimentos responsáveis.
“A proposta não enfraquece o licenciamento ambiental, muito pelo contrário. Ela reafirma o compromisso com o rigor técnico, exige estudos de impacto ambiental, audiências públicas e avaliações trifásicas para grandes obras. E até dobra a pena para quem desrespeitar a legislação”, disse a senadora, acrescentando que hoje existem mais de 27 mil normas ambientais no país.
Os atos realizados neste domingo têm como objetivo pressionar os deputados a não aprovarem o PL, que também tem sido chamado de “mãe de todas as boiadas”, em referência à fala do ex-ministro do Meio Ambiente do governo de Jair Bolsonaro, Ricardo Salles, quando declarou que era preciso “ar a boiada” nas regras ambientais enquanto a sociedade estava angustiada com a pandemia de Covid-19.
Além dos atos nas cidades brasileiras neste domingo, as organizações criaram o site PL da Devastação para pressionar os congressistas a não aprovarem o projeto. Arquiteto urbanista, ativista e porta-voz da Rede Sustentabilidade em São Paulo, Marco Martins também argumenta que o PL desestrutura completamente o licenciamento ambiental no Brasil.
“A gente está chamando ele de ‘mãe de todas as boiadas’ porque é um libera geral, permitindo o auto-licenciamento, principalmente dos empreendedores, numa modalidade em que o próprio empreendedor vai dizer se tem impacto e qual é o risco. Com esse PL, não vamos pedir mais nenhuma contrapartida e não se analisará o impacto, por exemplo, nas comunidades indígenas e nas unidades de conservação. Então ele realmente desestrutura, impede completamente que se faça a fiscalização ambiental”.
Segundo Martins, o atual projeto de lei prejudica as ações de combate ao desmatamento e de cumprimento das metas do Brasil estabelecidas nas Conferências das Partes (COPs). “A gente derrubou o desmatamento em mais de 42% no ano ado, mas esse PL inviabiliza completamente isso, além de inviabilizar as metas do Brasil, as chamadas NDCs, que significam Contribuição Nacionalmente Determinada em português”, disse ele, que argumentou que o afrouxamento das regras também inviabiliza o acordo do Mercosul com a União Europeia.
“Esse é o maior retrocesso da história desde que a gente aprovou a Política Nacional de Meio Ambiente e estruturou realmente o licenciamento ambiental. A gente tem dois exemplos muito claros que são as barragens de Brumadinho e de Mariana. Acho que ninguém sem consciência diria que estes são empreendimentos que a gente poderia fazer sem licenciamento. Esse PL vai afetar a economia, vai afetar a agricultura, vai afetar o preço dos nossos alimentos e vai afetar a nossa vida com ondas de calor intenso e com chuvas cada vez mais frequentes”, reforçou.