
A Polícia Federal instaurou um inquérito para apurar as ameaças de morte e estupro enviadas às deputadas estaduais de São Paulo. O e-mail ofensivo, repleto de discursos misóginos, racistas e capacitistas, foi encaminhado às 25 parlamentares no sábado (31) e será investigado pela Diretoria de Combate a Crimes Cibernéticos da PF.
Entre as parlamentares ameaçadas está Leci Brandão (PCdoB), uma das figuras mais simbólicas da luta por direitos civis no parlamento paulista. Ela se uniu às demais colegas na denúncia e reforçou a necessidade de proteger mulheres em espaços de poder. Em nota conjunta, as deputadas apontaram que “trata-se de uma nítida tentativa de silenciar mulheres, em um ataque misógino, racista e capacitista, em uma situação que, embora nos cause choque, infelizmente, é mais uma expressão de ódio e violência contra mulheres que buscam ocupar espaços de poder na política de nosso país”.
O caso, além de ser acompanhado pela Polícia Federal, também foi registrado pela Assessoria da Polícia Civil da Alesp como ameaça, injúria racial e falsa identidade. A Secretaria de Segurança Pública confirmou que diligências foram feitas ainda na segunda-feira (2), resultando na apreensão de um computador e um celular na casa de um homem de 28 anos, apontado como suspeito. Ele já prestou depoimento e alegou inocência, dizendo que seus dados foram utilizados indevidamente para incriminá-lo.
As ameaças foram formalmente denunciadas em uma notícia-crime protocolada na noite de segunda (2) na Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância) e encaminhada ao Núcleo de Observação e Análise Digital (Noad), responsável por monitorar conteúdos e crimes em ambientes virtuais, como cyberbullying, estupros virtuais e incitação à automutilação. Treze das 24 deputadas am o documento.
Na terça-feira (3), as parlamentares participaram de uma reunião com o presidente da Alesp, André do Prado (PL), representantes da Polícia Civil e da Polícia Militar, para discutir medidas de segurança diante da gravidade da situação. “Vamos até as últimas consequências para apurar essas ameaças e identificar o indivíduo que cometeu esse crime contra as nossas deputadas. Foi uma reunião muito produtiva, da qual saímos com diversos deveres e encaminhamentos solicitados pelas parlamentares – e todos serão colocados em prática. A questão da segurança de quem chega à Alesp também será repensada”, declarou André do Prado.
A deputada Andréa Werner (PSB), citada nominalmente na mensagem, relatou o impacto pessoal das ameaças. “Fui uma das pessoas citadas nominalmente no e-mail, então foi algo que me abalou muito. Nunca havia sofrido nenhuma ameaça de morte. É o meu primeiro mandato. Me preocupo com a minha família – é óbvio que a gente se preocupa, ainda mais quando tem filho”, afirmou. Ela solicitou carro blindado e exigiu a revisão dos protocolos de entrada na Alesp. “Não posso dizer que estou tranquila só porque foi feito um boletim e está sendo investigado. Só vou estar tranquila quando essa pessoa for identificada de fato, presa, processada.”
A mensagem enviada continha termos ofensivos e discriminatórios, atingindo grupos já historicamente vulnerabilizados. “O e-mail é um ataque claro ao direito de mulheres exercerem seus espaços de poder na política institucional – um espaço já tão reduzido na Alesp, onde somos 24 entre 94 deputados. É também um ataque direcionado a pessoas com deficiência, a pessoas negras, a pessoas idosas – públicos já historicamente vulnerabilizados em um país como o nosso”, afirmou Werner. “Ao mesmo tempo, essa é uma situação que revela o quão urgente se faz a adoção de políticas públicas mais eficazes sobre o uso de redes sociais e aplicativos de mensagens. Não é possível que criminosos ajam impunes no ambiente digital – ou fora dele.”
A nota oficial da Alesp classificou o ataque como uma afronta a todo o Legislativo paulista: “O ataque às parlamentares é uma afronta a todo o Legislativo Paulista”, afirma o texto. Já o presidente da Casa reforçou: “Nenhuma agressão pode ser tolerada. Por determinação da presidência, as Polícias Civil e Militar foram acionadas e investigam o caso.”
As parlamentares reiteraram que a violência política de gênero precisa ser enfrentada com urgência e políticas públicas eficazes. Atualmente, 25 mulheres ocupam cadeiras na Alesp — o maior número da história, embora ainda representem apenas 27% da composição da Casa. “Intimidações desse tipo NÃO PODEM SER ACEITAS sob o regime democrático em que vivemos, mas elas mostram o quão urgente também se faz a adoção de políticas públicas de enfrentamento à violência política de gênero”, destacaram as deputadas.